quinta-feira, 29 de setembro de 2016

Um País diferente. Para pior


[expresso on-line]

Já se sabia. O País é, hoje, um País diferente do que era há alguns anos atrás. Os dados que vão sendo conhecidos, os famigerado números, vão como sempre fazem, dando uma visão parcial e incompleta do que se passou. Ainda assim, melhor que a cegueira total. O Expressopublicou, há dias, com base num estudo da FFMS, alguns desses números.
Num parágrafo? A crise pesou mais em quem menos tem, somos hoje um País mais desigual, e quem vive do seu trabalho vive cada vez pior.
Como adverte Eduardo Paz Ferreira “A aceitação da desigualdade foi-se instalando no pensamento económico e na prática política dominantes, conduzindo-nos à dramática crise de 2007-2008 […]. A crise levou a que muitos pensassem que se abria uma oportunidade para […] construir sociedades mais justas. Nada de mais errado: […] nada foi feito para corrigir as injustiças sociais.” (in “Por uma Sociedade Decente”, p. 41).
Noutra altura a confirmação do que muitos foram afirmando estar a acontecer levantaria um coro de protestos e uma discussão acesa sobre que sociedade temos e que sociedade queremos ter.
Ao invés, boa parte do País passou a semana ocupado com a injustiça de um imposto sobre quem detém património de valor elevado, isto é, com Valor Patrimonial Tributário acima de um milhão de Euros (ou metade disso, consoante quem se ouça) e se isso não seria castigar a classe média.
Seria cómico se não fosse trágico. A única definição de classe média compatível com esta posição populista e demagógica é a célebre de um dirigente do PSD que demonstrou porque é que, com 10.000€ de salário, seria complicado a um casal viver (vale sempre a pena rever os 57 segundos em causa). Isto no país onde cerca de 3 milhões de agregados familiares não ganha isso … por ano. Maior alienação seria difícil.
Enquanto isso os sempre inoportunos números, neste caso do Eurostat, lembram que 2,88 milhões de pessoas estavam em risco de pobreza em Portugal no ano passado, um número bastante superior ao de 2008. Andámos, para trás, a passo de corrida. Surpreendidos? Só os mais distraídos.
Desde o ano passado que se sabe que, pelo menos, 3,6 mil milhões de euros desapareceram do rendimento do trabalho enquanto a remuneração de capital aumentou em 2,6 mil milhões de euros.
Esta significativa (que acreditamos poder estar subestimada) transferência de riqueza do trabalho para o capital teria que se reflectir nos demais indicadores. Aqui os temos. Dúvidas esclarecidas.
Enquadramento político à parte (e muito haveria a dizer) há uma consequência importante a retirar, e desde já, economias mais desiguais crescem menos.
Não que isso interesse àqueles cuja fatia de riqueza aumenta mesmo quando o tamanho do bolo da Economia diminui. Deveria, contudo, interessar bastante a todos os outros, e a quem se preocupe com algo mais do que com a sua finita existência.
E esses todos os outros somos uma imensa maioria. Só temos de deixar de aceitar a desigualdade como uma fatalidade. Se possível, hoje.