No Diário Económico de hoje:
‘Whatever it takes’, mesmo?
Com uns anos de atraso em relação à sociedade civil a Assembleia da República, por iniciativa do Partido Socialista, vai finalmente discutir se a dívida portuguesa é pagável.
A resposta àquela questão, no contexto que a Europa atravessa, depende muito das expectativas do que seja a evolução da Economia.
Sem crescimento a reestruturação - que o Governo já assume discretamente, nomeadamente em operações de troca de dívida e no planeamento do reembolso antecipado ao FMI - será inglória. Acabaremos sempre num problema de capacidade de pagar. Do que precisamos é de crescimento económico, e urgentemente.
É por isto que o pífio Plano Juncker não serve. É demasiado pouco, demasiado tarde e demasiado lento. É preciso complementar tudo isto com uma política monetária audaz. ‘Whatever it takes', disse Draghi, e deve mesmo ser o que for preciso, sem tabus.
Já em Setembro ("Acabar o euro", Diário Económico de 03/09/14) tínhamos alertado para o artigo da Foreign Affairs de Mark Blyth e Eric Lonergan que, aos ombros de Milton Friedman e Ben Bernanke vieram propor um "QE for the people", ideia que tem começado a ganhar visibilidade. Em bom português, injectar dinheiro directamente nas famílias, em vez de o fazer no sistema financeiro.
Entre nós, Eduardo Paz Ferreira apontou no mesmo sentido ("Paroles, Paroles", Expresso de 06/12/2014) citando ainda Werner Munchau, Martin Wolf ou Adair Turner como nomes que cada vez mais integram as alas ditas radicais.
Lá fora os sinais são mais do que evidentes, desde Simon Jenkins (ex-editor do Times) no The Guardian a John Muellbauer, em Oxford. E até do lado dos mercados, pela mão do Economista-Chefe do Citigroup, Willem Buiter temos sinais importantes (cf. "The Simple Analytics of Helicopter Money: Why It Works - Always", Economics: The Open-Access, Open-Assessment E-Journal, 8 (2014-28)).
Os modelos americano (que funcionou) e japonês (que está em dificuldades) de QE dificilmente funcionarão na Europa, face a um sistema financeiro zombie que nem à força de empréstimos de longo prazo grátis do BCE (os chamados LTRO) dá sinais de vida.
Na experiência americana de 2001, em que foi dado um alívio nos descontos pessoais para a segurança social, mesmo quantias relativamente modestas traduziram-se em crescimento económico, num aumento da qualidade de vida da população mais pobre e numa melhoria imediata das contas públicas por via de uma melhor receita fiscal.
O reverso da medalha será um eventual pequeno aumento da inflação. Mas um pequeno aumento da inflação é precisamente o que precisamos, longe que estamos do objectivo de 2% que o próprio BCE advoga.
O que falta? Convencer os alemães ou vencê-los em votação no BCE. Falta, em suma, vontade política. O projecto europeu viverá ou morrerá em função disto. É altura de o começarmos a aceitar.