quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Sobre a reforma do IRS


Repescado daqui

Perguntas, perguntas e mais perguntas:


Manuel Faustino participou na criação do IRS no consulado de Cavaco Silva, foi o primeiro director do serviço que gere o IRS e, ao que se sabe, colaborou com o CDS-PP na área fiscal. Sendo um especialista na matéria e situando-se à direita no quadro político, a sua opinião é insuspeita. Vale a pena por isso repescar algumas das suas declarações na entrevista que ontem deu ao Jornal de Negócios (aqui, aqui e aqui).

Relativamente à reforma do IRS, Faustino sustenta que esta poderia ter sido «uma espécie de contra-reforma» para reverter o «enorme aumento de impostos» de Vítor Gaspar: «eu já tenho dito que esta proposta do IRS termina o ciclo reformista do Governo porque a primeira grande reforma foi a feita por Vítor Gaspar quando transformou o IRS num mero instrumento financeiro.» Para isso seria necessário que «visasse repor os escalões, as taxas e as deduções na sua configuração anterior.» E por que razão assim não aconteceu? «Não foi feito, em parte, devido à prioridade do IRC. A reforma do IRC vai custar-nos mil milhões de euros em cinco anos, financiados pelas famílias. E para as famílias, a reformado IRS é asfixiante

Sobre a prometida devolução da sobretaxa em 2016, Faustino diz o óbvio: «Estas medidas não são próprias de leis, são uma espécie de promessas políticas que se fazem em campanha eleitoral.» E faz notar: «É de uma grande imprecisão à luz da disciplina orçamental. Diz-se que tudo o que se arrecadar a mais será para devolver em 2016, mas isto não funciona assim. O que se arrecadar a mais será receita de 2015: não pode ficar guardado para 2016, como se o Estado fosse uma família.» Assim sendo, entende que estará em causa um presente «mais do que envenenado» que Passos & Portas deixam ao próximo governo: «2016 poderá começar com um défice de 0,5% do PIB [receita da sobretaxa]. De tal modo que, se o Governo precisar do dinheiro, não apenas terá de manter a sobretaxa como terá de a aumentar para 7%. É este tipo de criatividade orçamental que é louvado?»

Quanto ao badalado «quociente familiar», Faustino lembra «que foi sempre a direita mais conservadora que o quis, mas os que o vão aproveitar provavelmente não precisam de nenhum auxílio do Estado. Além de muito limitado quanto ao seu efeito, tem uma contradição insanável: um filho numa família monoparental vale menos do que numa biparental. É uma discriminação injustificada. Afinal, o quociente familiar não é para protecção dos filhos...» Dá um exemplo para justificar o que afirma: um casal com três filhos tem direito até 2.000 euros de benefício por via do quociente familiar. Mas um viúvo, divorciado ou solteiro, com os mesmos três filhos só pode poupar até 1.250 euros. Daí a questão que Faustino coloca: «Por que não têm também 2.000 euros, se o quociente familiar é para dividir pelos filhos?»

É esta a salganhada em que o Governo transformou o IRS, a fim de, por um lado, garantir receitas para poder continuar a desagravar o IRC e, por outro lado, satisfazer os círculos mais conservadores que se manifestam através das associações das famílias numerosas.