Acabar o Euro
Este post
corresponde ao artigo com o mesmo título publicado hoje no Diário Económico,
mas com o texto original (citado aqui em itálico) acompanhado da inclusão de
alguns gráficos e breves referências bibliográficas, incompatíveis com as
limitações de espaço naturais num artigo de opinião.
Mark Blyth, no seu recentíssimo “Print Less but Transfer
More - Why Central Banks Should Give Money Directly to the People” (com Eric
Lonergan) trouxe para a discussão pública uma questão que tem sido remetida ao
obscurantismo pela força dominante do pensamento alemão sobre o papel que um
Banco Central pode e deve ter quando confrontado com uma crise económica.
O artigo
está integralmente disponível no número deste mês da Foreign Affairs, e pode
ser consultado aqui.
Com
interesse manifesto ver também as referências ao mandato do BCE, que tive o
prazer de discutir directamente com o próprio, numa visão mais “jurídica” dos
Tratados no seu ““The Sovereign Debt Crisis That Isn’t: Or, How to Turn anLending Crisis into a Spending Crisis and Pocket the Spread”.
Se aceitarmos a premissa de que, perante um cenário de
inflação muito baixa, ou mesmo deflação, com taxas de juro já próximo do zero,
o Banco Central deixa de conseguir estimular a economia com políticas
monetárias ditas convencionais (via taxa de juro), temos de aceitar a consequência:
são precisas medidas não convencionais. De preferência, já.
Mas até aí a Europa enfrenta um cenário difícil. Copiar
as políticas não convencionais americana, inglesa ou japonesa é uma solução
melhor que não fazer nada, mas está longe de ser a ideal. O chamado
Quantitative Easing depende um sector financeiro capaz de funcionar como correia
de transmissão à economia real do alívio monetário, mas temos uma Banca tolhida
pelo peso de balanços gigantescos cuja limpeza de imparidades está por fazer.
Os dados
em presença são estes (retirados a conferência de Mark Blyth em Lisboa, a
convite do IDEFF, disponível aqui).
É verdade
que os Bancos americanos têm balance sheets muito expressivas:
Mas não é
menos verdade que a situação é muito pior na Europa, mais de duas vezes pior:
E,
cálculos nossos, o mesmo se passa em Portugal (dados de finais de 2012):
Mais
provas fossem precisas, basta termos em conta que dois gigantescos LTRO se
traduziram em resultados nulos quanto à concessão de crédito à economia, que
continuou em queda:
É nesse contexto que a proposta de Mark Blyth assume
particular importância: oferece um caminho alternativo e com vantagens. O estímulo
monetário à Economia feito directamente junto das famílias é, desde logo, mais
rápido nos seus efeitos. Como cada pessoa terá as suas prioridades (consumo,
aforro, investimento), não teremos a criação de bolhas de activos, como é
provável no QE tradicional. E, por fim, pode por essa via fazer‑se um reequilíbrio
ad-hoc e interino, da Zona Euro, que continuará a precisar, para o futuro, de
mecanismos permanentes com o mesmo objectivo. A reacção não será boa. Para além
do fantasma alemão da inflação (historicamente falso e culturalmente empolado),
vamos ouvir falar de “radicalismos”. Mas esta é uma proposta tudo menos marginal.
Basta ver o que sobre ela escreveram, entre outros, Milton Friedman, ou Bernard
Bernanke.
Sobre o
erro histórico alemão de associar o fenómeno da inflação ao surgimento do
regime nazi, sendo que o mesmo beneficiou muito mais do período de deflação
pode ver-se o excelente sumário da insuspeita Economist, e as fontes aí
referidas.
Para
melhor conhecer a posição de Bernandke ver aqui.
Sobre a política
monetária e em complemento recomenda-se ainda “Revisiting Monetary Policy in aLow-Inflation and Low-Utilization Environment” ou “The Potential Instruments of Monetary Policy”.
O óbice final? A Alemanha, que continua a fingir que não
percebe que, enquanto uma das maiores beneficiárias do Euro, sob a forma de uma
zona de comércio livre para os seus produtos com 500 milhões de consumidores e
uma taxa de câmbio manifestamente mais favorável do que a que teria sozinha, não
pode continuar a insistir em reservar esses ganhos para si e só para si. Entre
1992 e 2012 o PIB per capita alemão aumentou 450€. O português? 20. Alguma
coisa tem de ser feita.
Quanto ao
benefício em termos cambiais da Alemanha vejam-se os seguintes dados (de Dominick
Salvatore):
A
quantificação dos dados sobre os ganhos no PIB per capita resulta de um paper
recentíssimo (disponível, no sumário em inglês, aqui),
de que se destacam estas informações, citadas no texto:
Não seria a primeira vez que a Alemanha destruía a
harmonia na Europa, mas convém ainda assim evitar que tal se repita. Só depende
de todos nós.
Esta conclusão, infelizmente, não precisará de fontes ou dados adicionais. É dos livros de História. Aquela que, inflizmente, se pode sempre repetir.