segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Três notas sobre os Estaleiros Navais de Viana do Castelo


Na generalidade das análises feitas aos ENVC há milhões de pequenas coisas que são mal compreendidas, o que se percebe.

Trata-se de um processo muito técnico, relativo a uma empresa complexa inserida num sector muito específico e cuja história é longa e pautada por excessiva exposição mediática e pouco trabalho de casa de quem sobre ela se pronuncia.

E, por essas e outras razões (declaração de interesses: exerci, de 05.01.2009 a 12.08.2011, várias funções na EMPORDEF, que detém, entre outras, a participação do Estado nos ENVC), vamos só aos 3 mitos mais frequentes:

1) É preciso devolver 181 milhões de euros de Ajudas de Estado

Para aí 90% das notícias parecem presumir que. como o processo está a ser analisado em Bruxelas, a devolução do dinheiro é devida à Europa. Não.

A ser devida (e ainda estamos longe de uma decisão dessas) a devolução seria ... ao Estado Português. Sim eu sei, parece ilógico mas é mesmo assim.

Se Bruxelas concluir que as ajudas são ilegais os ENVC, que são do Estado, têm de devolver ao Estado 181 milhões de euros. Sai de um bolso e entra noutro. Não faz sentido? Pois não. Mas serve para criar uma imagem favorável às opções que entretanto se tomaram.

2) Os auxílios de Estado foram "obra" do Governo de José Sócrates 

Este mito já foi desmontado (ver este excelente artigo) e explica-se com base neste quadro (roubado no mesmo sítio) que consta do processo oficial da Comissão Europeia:




Pela consulta do mesmo processo (aqui, pontos 17 a 19, página 5, também lá encontram o original do quadro) que os empréstimos de 2006, 2008, 2010 e 2011 têm uma justificação, que vai até para lá da que foi dada oficialmente e o aumento de capital está justificado com o cumprimento de um dever legal (capitais mínimos).

Restam os mais de 100 milhões de 2012. Da responsabilidade do actual Ministro.

Que não têm explicação "oficial" porque a explicação é esta: como os ENVC estavam cada vez mais em dificuldades o Ministro decidiu garantir a Banca, transferindo os empréstimos daquela aos ENVC para empréstimos à EMPORDEF, que tem maior capacidade de pagamento mas é uma empresa pública. Logo, quando a EMPORDEF empresta aos ENVC, temos um auxílio de Estado. Quando a Banca emprestava não. Simples.

Para salvar a banca do risco dos ENVC converteram-se empréstimos privados em Ajudas de Estado. E depois essa argumentação serve para dizer que o actual modelo é inevitável. Simples, mas ninguém parece perceber o que se passou.

3) O Plano de reestruturação aprovado pelo Governo anterior (só) previa despedimentos

O plano de reestruturação de 2011 que o Ministro Aguiar Branco não quis previa uma redução de pessoal por saída voluntária, nomeadamente reformas e rescisões por mútuo acordo (e não só despedimentos, como se diz) e, só se assim não se conseguisse equilibrar a empresa, então sim poderiam ocorrer alguns despedimentos pontuais.

Mas salvavam-se pelo menos 400 postos de trabalho. E a empresa. Agora salvam-se 0 postos de trabalho e a empresa encerra.

Isto é importante porque o modelo da reestruturação de 2011 suscitava, na opinião dos técnicos do Ministério das Finanças à data, menos problemas com a Comissão Europeia, uma vez que a privatição (parcial, mantendo o Estado uma participação na empresa) ocorreria depois do saneamento da empresa e sem assumpção do passivo pelo Estado.

É pedir o processo administrativo ao Ministério das Finanças, coisa que qualquer cidadão pode fazer se lhe apetecer e um jornalista tem o dever deontológico de fazer. Mais não seja para não perpeturar o spinning que aí anda ...

Numa nota final: os contratos que a empresa tinha com a Marinha foram rescindidos por este Ministro sem indemnizar a empresa. Essa indemnização não foi paga, como seria a qualquer outra empresa com quem o Estado tivesse compromissos. Porquê? E, já agora, porquê rescindir?