terça-feira, 27 de novembro de 2012

Tréplica


Uma das vantagens da blogosfera é podermos ter aqui a continuação de conversas iniciadas noutros locais.

Este post é um follow-up do autor deste artigo no Diário Económico ao que escrevo hoje no mesmo jornal. Não por acaso, em colunas opostas.

O desafio, que se aceita com gosto, é defender a minha afirmação de que "Os ajustamentos pró-ciclicos, palavrão que quer dizer juntar à recessão económica uma contração da despesa pública, nunca funcionaram. Nunca. Em lado algum."

A crítica, em suma, é esta:

"As palavras são fortes, com impacto, mas parece-me que acertam ao lado da principal questão e não correspondem à realidade. A contracção da despesa pública (infelizmente inferior à desejável) surge como resposta a défices orçamentais exagerados e a um nível incomportável de dívida pública. Quanto ao impacto de uma política de consolidação orçamental baseada na redução da despesa, sugiro a consulta destes três estudos" (ver links dos estudos no post original)

Com a devida vénia, nenhum dos estudos invocados me convence.

Em primeiro lugar, é importante referir que as entidades que originam aqueles estudos, o FMI, o BCE e o Banco de Portugal estão intimamente associados às decisões políticas em execução na Europa e em Portugal.

Em segundo lugar, e como é natural nestas situações, nenhum daqueles estudos trata exactamente a situação em que estamos nem nenhum deles é tão linear quanto as citações escolhidas podem levar a pensar. Esse é o eterno problema quando se cita uma pequena frase de um documento complexo.

Basta dizer que os mesmos três estudos dizem também (e uso a mesma ordem) coisas como, e as minhas escolhas são também elas afectadas pelo mesmo problema que já assinalei:

1) "a redução da dívida pública é penosa para as economias com menor crescimento, uma vez que pode implicar uma redução da atividade económica e do bem-estar no curto prazo". E mesmo que se acredite que no longo prazo a situação se inverte ... bem ... no longo prazo estamos todos mortos (sim, Keynes, enquanto ainda não é ilegal citá-lo).

2) "In such circumstances, debt consolidations should rely on a combination of improvements in the primary balance and sustained economic growth." ... ora nós não só não temos a segunda condição como estamos naquilo que acredito ser uma espiral recessiva. E isso inquina as conclusões que ali se tiram.

3) " In this environment, the costs and benefits of consolidation need to be assessed from a
comprehensive perspective." Resta dizer que o documento acaba por só avaliar os ditos benefícios sem cuidar dos custos.

E é igualmente possível, naturalmente, encontrar opiniões avalizadas em contrário:


1) O próprio FMI (WP/12/190, IMF Working Paper Series) quando diz que: “The analysis
in this paper shows that withdrawing fiscal stimuli too quickly in economies where output is
already contracting can prolong their recessions without generating the expected fiscal
saving.”

2) Em relação especificamente a Portugal Paul de Grauwe, em entrevista à SIC-N (ver aqui) disse "Portugal não vai conseguir sair da crise enquanto o Governo continuar a aplicar sucessivas medidas de austeridade." (via corporações).

3) Paul Krugman explica igualmente que "Maybe it was always thus, but the relentless wrong-headedness of the Europeans, their insistence on seeing their crisis as something it isn’t, and responding with actions that deepen the real crisis, has been a wonder to behold. In the 1930s policy makers had the excuse of ignorance; there was nobody to explain what was happening. Now, their actions amount to a willful disregard of Econ 101."


E inúmeros papers se podem citar. Não vou maçar ninguém com isso (1).

No fundo, a "justeza" da minha afirmação pode ser questionada - era o que faltava - mas a contrária também.

Os argumentos contra e a favor podem ser trazidos para a realidade. Em 2012 esta mesma política não resultou. Perdemos PIB, gerámos desemprego, aumentámos a dívida pública, continuamos com um défice elevado, continuamos a aumentar impostos em cima de impostos.

E se é verdade que "we cannot tax our way to prosperity" como se diz na política americana também não é menos verdade que não podemos cortar o estado social e esperar uma sociedade justa e onde o futuro é algo que se anseia, ao invés de se temer.

No fundo, quer se goste da água mais salgada ou mais doce (para perceber esta referência ler aqui) todos sabemos que a política seguida em Portugal é pró-cíclica porque aumenta impostos e corta despesa social ao mesmo tempo. E isso, convenhamos, é uma bebida nova e, pelo que dá para perceber, com o pior dos dois mundos.

Quem é mais liberal (e estou aqui a arriscar uma classificação) não consegue viver com impostos a este nível mas vê com bons olhos o corte da despesa pública. Quem é menos liberal também não consegue explicar como é que diminui o papel do Estado mas ainda assim nos pedem impostos a este nível.

(1) Porque este é, também, um blog de estudo e porque os dois discursos às vezes se prejudicam em objectividade, hesitei em acrescentar esta nota. Mas ela aqui fica, em aditamento ao post original. Outras leituras que julgo úteis nesta matéria, para além das citadas: "Fiscal consolidation under fixed exchange rates", Paola Caselli, Research Department, Bank of Italy;  Roberto Perotti, "Fiscal Consolidation in Europe: Composition Matters", The American Economic Review, Vol. 86, No. 2; Freddy Heilen et al, "Success and failure of fiscal consolidation in the OECD: A multivariate analysis", Public Choice n.º 105: 103–124, 2000; Devries P, J Guajardo, D Leigh, and A Pescatori (2011), “A New Action-based Dataset of Fiscal Consolidation”, IMF Working Paper No. 11/128, IMF; Alesina, A, C Favero, and F Giavazzi (2012), “The Output Effects of Fiscal Consolidations”,CEPR Discussion Paper 9105, August; Romer, C and DH Romer (2010), "The Macroeconomic Effects of Tax Changes: Estimates Based on a New Measure of Fiscal Shocks", American Economic Review, 100(3):763-801.